A invasão de um estado soberano por parte da Rússia continua. No momento em que escrevo, a maior vítima deste conflito é definitivamente a população civil da Ucrânia: colapso de infraestruturas, casas destruídas, poupanças evaporadas e risco de vida. Uma enorme crise de refugiados, com a população em fuga para países na fronteira ocidental da Ucrânia, carregando consigo apenas a roupa que têm no corpo e alguns bens.
Não há palavras para uma ignomínia desta dimensão. A Rússia junta-se a outro estado excepcional, daqueles que se julgam legitimados pelo Divino a desrespeitar as fronteiras de outro país, tal como aconteceu no Iraque, no Afeganistão, na Líbia, apenas para citar alguns exemplos de países obliterados por guerras sem sentido.
Esta guerra está a aprofundar precedentes perigosos, em particular o desrespeito pela propriedade privada e o direito de qualquer cidadão a defender-se de uma acusação. Na Bíblia, apesar de Deus reconhecer o assassínio de Abel pelo seu irmão Caim, não quis deixar de interpelar Caim e conhecer as suas razões, ou seja, devemos sempre ouvir alguém expressar a sua versão da história. Parece que agora este valor das sociedades ocidentais desvanece-se todos os dias.
Com a guerra, o ataque às liberdades e direitos acentua-se: pede-se agora o confisco dos bens de todos os russos residentes no ocidente; assim, sem mais, sem uma acusação, sem defesa. Apenas por serem russos e amigos de Putin.
Os danos não se ficam por aqui: o tesouro norte-americano decidiu congelar todos os activos do banco central e de um fundo de investimento soberano russo – cujo gestor é amigo de Putin – custodiados nos EUA. Estas medidas são sempre um precedente perigoso, dado que a confiança é um activo que custa a conquistar, demora tempo, implica seriedade e estabilidade da legislação, podendo, no entanto, ruir numa questão de dias como agora. É bom que os dirigentes ocidentais reflictam sobre isto.
Para além do confisco de activos, segundo a agência de notícias Reuters, sete instituições financeiras russas deixaram de ter acesso ao SWIFT, um sistema de mensagens entre bancos que permite realizar compensações e acertar saldos entre bancos. Trata-se da rede em que assenta a maioria das transferências bancárias no mundo. Para um exportador russo de gás receber dinheiro de um importador alemão, ambos têm de recorrer a bancos que comunicam entre si através da rede SWIFT. Desta forma, os movimentos de capitais para e desde a Rússia estão severamente limitados, em particular com países ocidentais.
Para além das medidas já mencionadas, a guerra do ocidente assenta essencialmente em sanções económicas, que consistem na exclusão da Rússia do comércio internacional. Mas não só a Rússia: a Ucrânia, devido à invasão, deixou também de poder realizar negócios com o exterior.
A impossibilidade de comprar Petróleo e Gás à Rússia e cereais à Ucrânia, um dos maiores produtores mundiais, está a provocar uma escalada descontrolada dos preços da maioria das matérias-primas, agravando o problema da inflação que já vinha detrás, em virtude da impressão massiva de moeda pela maioria dos bancos centrais do ocidente.
Para termos uma ideia do descalabro, na Figura 1 podemos observar que o Petróleo regista uma subida de 50% em 2022, de 66 €/barril no final de 2021 para 99€/barril no final da sessão do dia 2 de Março. O Trigo e o Milho sobem 40% e 27% respectivamente. Tudo isto em apenas 2 meses! É fácil imaginar o impacto que estas subidas de preços terão na frágil economia europeia, muito dependente da importação de “energia” da Rússia.
Figura 1
Este movimento é agravado pela desvalorização do Euro: no presente ano regista uma queda superior a 2% em relação ao USD, adicionando-se à desvalorização de cerca de 8% em 2021. O Rublo também se afunda frente ao USD, perdendo mais de 35% no presente ano (ver Figura 2)! Trata-se de um cataclismo para os aforradores russos, que vêem as suas poupanças arruinadas pela desvalorização da sua moeda. Face ao exterior, são agora profundamente pobres!
Figura 2
No dia 1 de Março, para evitar o colapso da moeda russa, o presidente Putin proibiu a residentes a realização de empréstimos em moeda estrangeira e/ou a realização de transferências para o exterior, evitando a saída de capitais. Na prática, os russos passaram a estar vedados de vender Rublos e de adquirir Euros ou USD, evitando a erosão das suas poupanças.
A pergunta que agora se coloca é a seguinte: estará o mundo ocidental, e em particular a Europa, capaz de suster esta guerra económica, vendo-se obrigado a comprar matérias-primas essenciais à sua indústria a preços exorbitantes e descontrolados, tudo para evitar importá-las da Rússia? Vamos então ver em que estados se encontram as economias ocidentais.
No que respeita ao endividamento público, a situação é um autêntico plano inclinado em direcção a um buraco negro. Os EUA, cuja moeda é a reserva do mundo, quase superam o endividamento público português, em torno de 130% do PIB. Quanto à Rússia? Apenas 19%.
Figura 3
Em relação à balança de transacções correntes, ou seja, o saldo líquido das relações com o exterior? A situação do ocidente é igualmente débil, os EUA apresentam uma das situações mais negativas da sua balança de transacções correntes em muitos anos. Ou seja, o exterior está constantemente a financiar os EUA, estando estes dependentes de recursos financeiros externos, algo que não ocorre com a Rússia, como podemos ver na Figura 5. Esta, nos últimos anos, possui excedentes. A sua situação até é provável que ainda seja melhor, em resultado da subida do preço das matérias-primas, pois vende mais caro!
Figura 4
A subida inexorável da inflação não parece preocupar a presidente do BCE, Christine Lagarde, que afirmou recentemente que as dificuldades sentidas pela economia europeia, em resultado da invasão da Ucrânia pela Rússia, é motivo para a impressora não abrandar o ritmo; atentemos à sua afirmação: “A presidente do BCE, Christine Lagarde, alertou que o Conselho do BCE poderia prejudicar a recuperação da economia se se apressasse a apertar a política monetária…”.
Portanto, os bancos centrais vão utilizar esta guerra como argumento para continuar a imprimir, agravando, desta forma, a taxa de inflação, já de si altíssima e descontrolada, erodindo ainda mais as poupanças dos aforradores europeus e tornando o seu custo de vida insuportável. Por outro lado, a situação gravíssima de endividamento público da maioria dos países ocidentais impede a subida das taxas de juro, caso contrário, a bancarrota está ao virar da esquina.
Termino com a pergunta: Afinal, as sanções aplicam-se a quem: a nós ou aos russos?
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